Marina Grossi

Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS); ex-representante do Brasil na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC); ex-assessora governamental e membro do Conselho de Administração da Neoenergia, Norte Energia S.A. e Global Reporting Initiative.

 

Artigo originalmente publicado em novembro/ 2023.

 

A necessidade por um rápido avanço na luta contra as mudanças climáticas nunca foi tão urgente. Assim como grande parte do mundo, o Brasil está enfrentando um clima extremo – os termômetros estão batendo 42ºC: temperaturas acima do normal para a primavera – e a frequência de eventos climáticos se intensificou. Chuvas fortes nas regiões Sudeste e Sul causaram mais de 100 mortes no ano passado, enquanto no Norte, no até então úmido bioma amazônico, uma seca severa trouxe perdas sociais e econômicas incalculáveis para 58 municípios e cerca de 500,000 pessoas.

Nos próximos anos, o Brasil tem a oportunidade de ser um agente de mudança, transformando positivamente a narrativa em torno do clima. Em parte, isso ocorre porque seremos sede da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP), que acontece em 2025, no Belém, Pará. No entanto, como alguém que participou de COPs climáticas por quase 30 anos, acredito que, no Brasil, duas ações devem ser tomadas prioritariamente para reconstruir a confiança sobre a habilidade coletiva de mitigar os impactos dos gases de efeito estufa na atmosfera. A primeira seria responsabilizar adequadamente os governos e outros atores pelas promessas feitas na COP, e, a segunda, a necessidade de garantir que a solução para a crise climática seja feita de maneira igualitária, garantindo a melhoria da qualidade de vida de todas as pessoas, especialmente as mais pobres e marginalizadas. 

A sensação de descomprometimento causou apelos para a restauração da confiança nos processos da COP, pois os países têm assumido compromissos sem fornecer detalhes sobre como irão alcançá-los. O resultado decepcionante dessa abordagem ficou claro este ano por meio do primeiro Global Stocktake (GST) oficial, um mecanismo de revisão periódica acordado pelos signatários do Acordo de Paris de 2015. O GST, que foi concluído recentemente na COP 28, em Dubai, revelou que as promessas existentes dos governos não apenas falharão em limitar o aquecimento a 1,5ºC até 2050, como, provavelmente, colocarão o mundo em um caminho de aquecimento de 2,5°C. 

O Brasil, por exemplo, reforçou sua Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC) – documento com os principais compromissos e contribuições do país para a crise climática - este ano, seguindo as recomendações da ONU de estabelecer objetivos abrangentes para a economia. Para 2025, passamos de uma redução de 37% nas emissões (em comparação com 2005) para 48%, e, para 2030, fomos de 50% para uma redução de 53%. Ainda precisamos trabalhar mais para providenciar uma visão integrada sobre como mecanismos e políticas existentes se somarão para alcançar a nova ambição de mitigação do país. 

O que está claro, no entanto, é que precisamos relacionar metas abrangentes para a economia com objetivos de descarbonização de curto e médio prazo. Caso o contrário, os objetivos para o futuro distante, como 2050, apresentarão uma visão utópica, ignorando o fato de que não há caminhos viáveis para alcançá-los e correndo o risco de gerar um impacto negativo como resultado das ações do presente. Estabelecer metas intermediárias para, digamos, 2027 ou 2030 — fazendo algo semelhante ao que muitas empresas fizeram ao estabelecer seus compromissos de emissão zero líquida — ajudaria a evitar o retrocesso na busca por metas climáticas de longo prazo, algo que ocorre com frequência quando os governos enfrentam crises inevitáveis de curto prazo. 

Para restaurar a confiança na luta contra as mudanças climáticas o mais importante é compreender que precisamos mudar os processos utilizados tradicionalmente e promover um trabalho diferenciado que priorize as pessoas (e a natureza). 

‘’Precisamos de uma transição rápida para um novo modelo de desenvolvimento, que combine o progresso em metas ambientais com a abordagem de questões sociais.’’

A Amazônia brasileira pode ser um campo de oportunidades para testar inovações e encontrar maneiras eficazes de fazer isso. Como a maior floresta tropical do mundo, ela desempenha um papel central amplamente reconhecido na luta pelas mudanças climáticas. Quase metade das emissões totais de gases de efeito estufa do Brasil provém de mudanças no uso da terra, principalmente, por conta do avanço persistente do desmatamento. 

A Amazônia também é lar de quase 30 milhões de pessoas, o que equivale aproximadamente à metade da população do Reino Unido. A maioria delas está concentrada em cidades, ao invés de comunidades ribeirinhas ou terras indígenas, e muitas vivem em condições de pobreza. Com uma população de 1,3 milhão de habitantes, Belém ocupa a 56ª posição entre as cidades brasileiras em termos de renda per capita. Por não oferecer acesso a serviços básicos, como água potável, saneamento, eletricidade, educação e conectividade, sua colocação acaba sendo menor que outras cidades.  

O mais urgente é encontrar uma maneira de combater o desmatamento e preservar a biodiversidade, ao mesmo tempo em que se aborda a necessidade de melhorar a vida dos cidadãos locais. Portanto, embora devam existir metas e medidas eficazes de inspeção e repressão para conter a perda de florestas, especialmente como resultado de atividades criminosas, essas devem ser introduzidas junto com uma série de políticas que mostrem aos moradores o valor econômico e social da preservação florestal — reconhecendo os benefícios da floresta em pé para a preservação da biodiversidade, sustentação da economia e qualidade de vida dos moradores. 

Em resumo, o Brasil tem uma grande oportunidade de demonstrar o potencial do que são conhecidas como Soluções Baseadas na Natureza (SBN) — investimentos em ações que gerenciam a floresta de forma sustentável, equilibrando o desenvolvimento econômico com a conservação ambiental. Embora essa abordagem potencialmente poderosa ainda seja discutida em muitos lugares, no País, ela se tornou uma prioridade em nosso pensamento e planejamento. O Brasil sozinho representa aproximadamente 20% do potencial global (ainda em grande parte inexplorado) para o uso de SBN, sendo que cerca de dois terços desse potencial advêm da conservação das florestas naturais.

Mesmo que em estágios iniciais, já estamos aprendendo muito sobre o que será necessário para tornar as Soluções Baseadas na Natureza (SBN) bem-sucedidas. O primeiro passo é garantir que o setor privado caminhe de mãos dadas com governos e ONGs para criar valor econômico a partir da sociobioeconomia da floresta (incluindo instrumentos inovadores para investimentos financeiros no setor público e privado, nos chamados “mercados naturais”).

Essa cooperação está no cerne de um estudo de “melhores práticas” realizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a organização da qual sou líder, lançado em 2022. À medida que analisamos cerca de 143 iniciativas de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) na Amazônia, envolvendo 53 empresas diferentes, surgiram lições adicionais. Todas essas iniciativas combinaram compromissos para combater o desmatamento ilegal com abordagens de desenvolvimento que envolveram as comunidades locais, valorizaram a biodiversidade e direcionaram investimentos para promover uma economia circular e de baixo carbono.

Uma parceria de três anos entre um fabricante multinacional de pneus, ONGs que atuam no Brasil e no exterior e um governo local mostrou como gerar emprego e renda a partir de uma produção mais sustentável. Esse projeto visa gerar impacto econômico positivo para 3.800 famílias locais, ao mesmo tempo em que preserva — por meio de um gerenciamento cuidadoso — cerca de 6,8 milhões de hectares da Floresta Amazônica. Inicialmente, a empresa concordou em comprar apenas 700 toneladas de borracha produzida, de acordo com padrões sociais e ambientais acordados, à medida que o programa evolui e se integra totalmente à cadeia de suprimentos corporativa maior, espera-se que a produção se expanda de forma sustentável. 

Ampliar as iniciativas de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), como esta, será essencial para preservar a vasta biodiversidade da Amazônia e, ao mesmo tempo, atender às necessidades de sua população humana.

É possível? Acreditamos que sim, especialmente à medida que mais empresas adotam uma abordagem multi-stakeholder para o desenvolvimento comunitário — uma que inclui a natureza e os serviços essenciais que ela oferece como parte principal das estratégias. 

O simbolismo de sediar a COP 30, em Belém, pode ser poderoso ao direcionar a atenção global para as possibilidades de aliar, proteger e regenerar a natureza com o desenvolvimento humano, em vez de colocá-los em conflito.

À medida que o Brasil se prepara para esse evento, nosso objetivo é construir uma coalizão de empresas locais e internacionais que possa acelerar o desenvolvimento das Soluções Baseadas na Natureza (SBN) nos próximos anos. Para garantir o sucesso, é essencial que ela inclua importantes provedores de capital de investimento, tanto potenciais quanto existentes, incluindo empresas e outras instituições envolvidas no financiamento climático internacional, preparadas para defender e valorizar as duas maiores fontes de riqueza do mundo: a natureza e as pessoas.

Quando priorizarmos os dois juntos, seremos capazes de superar a crise de confiança que está impedindo nosso progresso na abordagem da emergência climática, ao mesmo tempo que preservamos um planeta que proporciona condições de vida de qualidade para todos.