O dever de ação das marcas durante a crise

Este pode ser o momento mais delicado para as marcas. Estamos enfrentando crises interconectadas: a pandemia global, a crise econômica e a intensificação de problemas sociais, como racismo e pobreza. O resultado desses choques simultâneos é um crescimento rápido do medo e uma mudança de valores que fazem as pessoas buscarem o que é confiável e familiar.  

Com os consumidores recorrendo às marcas que conhecem, a confiança cresceu como um motivo importante para a compra. O medo muda o que as pessoas valorizam – 60% dos consumidores agora compram de marcas em que confiam. Em troca, eles esperam que elas se posicionem sobre as questões sociais enquanto resolvem seus próprios desafios. As empresas precisam reconhecer que os consumidores agora vivem de dentro para fora, com um mundo que começa em casa, onde as principais preocupações são saúde pessoal e família, em vez de imagem ou status.

Para confirmar essa mudança para as marcas, devemos buscar os dados. Acabamos de ir a campo com o Relatório Especial do Edelman Trust Barometer 2020: Marcas em meio à crise, que entrevistou, na última semana de outubro, 8.000 pessoas em oito países (Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Reino Unido e Estados Unidos). Podemos fazer as seguintes afirmações a partir da pesquisa:

  1. O MEDO AUMENTOU – Desde nosso primeiro estudo na pandemia, lançado em março de 2020, o medo das pessoas tem crescido. Globalmente, os principais receios estão relacionados à saúde física, saúde mental e preocupações econômicas. Os brasileiros, no entanto, estão mais preocupados com o futuro de suas famílias (+63 pontos percentuais), educação dos filhos (+60) e saúde física da família (+55). As marcas que ajudam a aliviar os medos são quatro vezes mais confiáveis. (dados globais)
  2. OS VALORES SÃO OUTROS - O que mais importa agora é passar o tempo com a família (+38 por cento), tomar decisões de compra inteligentes (+36 pontos percentuais) e ajudar as pessoas (+24 pontos percentuais). O que menos importa é ter a imagem refletida nas marcas que consome. As pessoas afirmam que se importam menos em serem criadoras de tendências (-9 pontos percentuais) ou em aproveitar as coisas boas da vida (-10 pontos percentuais). (dados globais)
  3. MARCAS VISTAS COMO SALVADORAS — No Brasil, espera-se que as marcas resolvam tanto problemas sociais (97%) quanto questões pessoais (93%). No Brasil, isso se relaciona à pobreza (58%), questões trabalhistas (52%), mudança climática (51%), racismo estrutural (51%), além de bem-estar/otimismo (53%) e segurança (52%).
  4. MARCAS MAIS CRIATIVAS E EFICAZES DO QUE O GOVERNO – 55% dos entrevistados acreditam que as marcas podem fazer mais para resolver problemas sociais do que o governo. A mesma porcentagem de entrevistados afirma que as marcas são mais responsáveis e mais rápidas para agir para mudar as coisas para melhor. (dados globais)
  5. CONFIANÇA É TERCEIRO CRITÉRIO DE COMPRA - Os cinco P’s do Marketing ganham um T, de “trust” (confiança). Preço e qualidade estão à frente da Confiança. Além disso, outros atributos de Confiança são fundamentais para a compra, incluindo Reputação e Propósito. Isso se aplica a todos os países, gêneros e faixas etárias pesquisados. No Brasil, confiança na marca é importante ou essencial para 90% dos entrevistados, e a confiança na marca como critério de compra cresceu 55 pontos em relevância.
  6. CONFIANÇA É FUNDAMENTAL PARA CONQUISTAR FIDELIDADE – Globalmente, os consumidores com alta confiança na marca são mais fiéis (75%); mais engajados, o que inclui o compartilhamento de dados pessoais (60%) e defendem mais, o que inclui recomendação da marca (78%). No entanto, entre os brasileiros, apenas 37% afirmam que as marcas que usam estão fazendo um excelente trabalho em ajudar o país e o povo a enfrentarem os desafios que têm atualmente.
  7. O PODER DAS AÇÕES - A confiança na marca aumenta quando suas ações vão além do discurso. No Brasil, para 72% das pessoas, é mais efetivo para uma marcar gerar confiança quando ela toma medidas para ajudar trabalhadores e comunidades locais em tempos de crise, contra 28% que acreditam que isso acontece quando ela assume o compromisso publicamente. Um sinal de alerta para as marcas é que, no Brasil, 62% das pessoas avaliam “marcas demais estão usando questões sociais e políticas importantes apenas como manobra de Marketing para vender mais produtos”.
  8. NÃO É O MOMENTO PARA AGRESSIVIDADE NAS VENDAS - 64% dos entrevistados no Brasil dizem que as marcas devem pensar primeiro na segurança do público, tendo cuidado em relação a encorajar as pessoas a voltar lojas, restaurantes e outros locais públicos com o lockdown, enquanto 36% dizem que as marcas devem ajudar a estimular a recuperação econômica, encorajando as pessoas a voltar a lojas, restaurantes e outros locais públicos com o lockdown suspenso.
  9. MENOS É MAIS NAS CAMPANHAS DE FIM DE ANO – Para a maioria das pessoas, não é o momento certo para grandes celebrações. No Brasil, 68% das pessoas dizem que querem que as marcas reduzam as festas de fim de ano, adotando um tom mais contido e moderado devido às dificuldades pelas quais muitos estão passando. Dados globais mostram também que 69% das pessoas desejam que as marcas tragam imagens de distanciamento social e do uso de máscaras em suas peças de marketing.
  10. MÍDIA CONQUISTADA E EXPERIÊNCIA PESSOAL SÃO CAMPOS DE BATALHA - Mídia paga aparece em último lugar entre os canais (23%), enquanto a experiência pessoal (de alguém sobre um produto) é a mais importante (59%), seguida pela mídia conquistada (44%) e conversa entre pares (39%). Quase 7 em cada 10 pessoas estão usando estratégias de prevenção de publicidade, incluindo bloqueadores de anúncios (48%) e pagando por serviços de streaming (45%). (dados globais)
  11. PARES E ESPECIALISTAS COMO FONTES MAIS CONFIÁVEIS - Usuários regulares (58%) e especialistas (52%) estão muito à frente das celebridades (35%) ou influenciadores (36%) como fontes confiáveis de informação sobre o que uma marca está fazendo para dissipar as preocupações. “Amigos e família fazem o máximo para amenizar meus medos”, acreditam os entrevistados. (dados globais).

Entender quando abordar uma questão social é extremamente importante, porque as marcas devem evitar se tornar abertamente políticas. Para diferenciar entre necessidades sociais e político-partidárias, as marcas devem se fazer as seguintes perguntas antes de agir: isso resolve uma necessidade social que está alinhada com nossos valores? Há uma conexão clara com nossa empresa ou marca? Satisfaz as demandas de nossos funcionários? Atende às expectativas dos nossos grupos de interesse? No ano passado, a Heineken tomou a decisão certa ao colocar em prática um programa que ajudou a reduzir o consumo de álcool antes de dirigir após redesenhar a experiência de ir ao bar. Da mesma forma, a Ajinomoto agiu de forma coerente quando lançou a campanha "Take Out Hate", que estimulava os estadunidenses a pedirem comida em restaurantes asiáticos locais que estavam lutando contra a discriminação no início da Covid-19 e fechando mais rápido do que estabelecimentos servindo comidas de outras categorias.

É hora de redefinir o marketing. Podemos perceber que há espaço para as marcas atualizarem sua atuação e apoiarem a sociedade de novas formas. Este é o momento de Grandes Esperanças; as marcas agora são vistas como defensoras e parceiras eficazes na mudança. Não há como fugir dessa responsabilidade; os consumidores responsabilizam as marcas, portanto, recompensarão as que se pronunciarem e penalizarão as que não o fizerem. Na Batalha pela Verdade, os orçamentos de marketing de marca são uma contrapartida eficaz à desinformação e à desestabilização. Na hierarquia de Maslow, agora estamos de volta às necessidades básicas de segurança e fisiológicas. É hora de as marcas liderarem, respondendo ao medo com fatos, aos traumas com verdades e à ansiedade com ações.