"Houston, temos um problema." O comandante James Lovell enunciou essa famosa frase quando sua espaçonave apresentou um defeito durante a missão Apollo 13, em abril de 1970. Lovell, milagrosamente, trouxe sua tripulação e nave de volta à Terra com grande ajuda de engenheiros do Controle de Missão, que improvisaram com o que tinham disponível na nave de comando e módulo de pouso lunar. Essa é a situação que o mundo enfrenta agora, seis meses após o início da pandemia da Covid-19, momento em que buscamos retornar ao local de trabalho e a uma rotina mais normal, enquanto a doença continua sua implacável disseminação pelo planeta.

O Relatório Especial do Edelman Trust Barometer: Confiança na volta ao escritório e o Coronavírus, traz dados de 3.400 entrevistados em sete países – Alemanha, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Reino Unido e Singapura durante a semana de 22 de agosto. Esses são os principais achados:

  1. Forte desconfiança em relação ao retorno ao local de trabalho. Apenas metade dos funcionários acredita que os escritórios são seguros. Na maioria dos países, apenas um quarto ou pouco mais voltará ao escritório antes do Natal. Entre os funcionários, não há consenso sobre quem deve assumir a liderança nas decisões de retorno ao trabalho, já que as autoridades de saúde, governo estadual/local, governo nacional e os próprios trabalhadores têm aproximadamente a mesma parcela da confiança do funcionário (cerca de 20%), provando uma dissonância. É importante ressaltar que os funcionários depositam o menor grau de confiança nos CEOs e gerentes sêniores para liderar o retorno ao trabalho (apenas 14%).
  2. Não há consenso sobre as medidas essenciais que permitiriam um retorno seguro ao local de trabalho. Na maioria dos países ocidentais, apenas metade endossa o uso obrigatório de máscaras (EUA 53%, Alemanha 50%, Reino Unido 43%). O mesmo se aplica ao distanciamento social obrigatório (Alemanha 51%, EUA 47%). Entre as precauções esperadas dos empregadores, estão a ocupação reduzida do local de trabalho (45%), verificações de temperatura antes da entrada (44%), viagens não essenciais limitadas (40%) e divisórias de plástico entre as áreas de trabalho (34%). Acreditamos que os empregadores terão que implementar todos os itens acima para obter a percepção de segurança.
  3. Os funcionários se sentem confiantes sobre o trabalho de casa. Três quartos confiam em seus empregadores quando eles afirmam que trabalhar remotamente não prejudicará sua carreira. Mais de dois terços afirmam que as empresas se comunicaram com eficácia sobre o retorno ao local de trabalho.
  4. Desconforto em relação ao retorno às atividades cotidianas. Os entrevistados demonstram grandes preocupações sobre o transporte público, com metrô na parte inferior em níveis de confiança (29%), junto ao ônibus (29%), trens (31%) e táxi/compartilhamento de viagem (32%), comprometendo assim qualquer sensação de segurança em relação a deslocamento. A indústria de viagens continuará a sofrer, com 33% de confiança nas viagens aéreas e 41% em hotéis e restaurantes. Embora os entrevistados confiem mais na segurança dos prestadores de serviços de saúde, poucas pessoas têm a intenção de, nesta primavera, ir a um consultório médico (48%), dentista (36%) ou clínica de saúde (26%).
  5. Temos uma “infodemia” – uma abundância de informação, sendo poucas confiáveis. Enquanto mais de 50% afirmam estarem obtendo a maioria de suas informações sobre o vírus de grandes organizações de notícias, um terço dos entrevistados disse que precisam ouvir, ver ou ler algo na grande mídia de três a cinco vezes ou mais para acreditar. As redes sociais são particularmente sem credibilidade, com 37% dizendo que nunca acreditarão em uma história se esse for o único lugar em que ela for vista. A confiança tornou-se local e baseada em especialistas, com três quartos dizendo que acreditam em seus médicos ou provedores de saúde após a primeira ou segunda conversa, seguidos por autoridades nacionais de saúde e organizações globais de saúde, mas apenas 21% estão obtendo a maior parte de suas informações por meio de médicos. Há uma incompatibilidade fundamental entre onde obtemos nossas informações e nossa crença nessas informações.
  6. Enfrentamos outra dicotomia potencialmente catastrófica: um medo profundo de uma segunda onda, mas uma resistência alarmante à vacinação. Mais de dois terços dos entrevistados acreditam que haverá uma segunda onda de Covid-19 em seus países, especialmente na Coreia do Sul (83%) e mais de 70% no Reino Unido, França e Alemanha. No entanto, é chocante saber que apenas dois terços das pessoas tomariam uma vacina gratuita aprovada pelo governo. Os países mais problemáticos são os EUA e a França, com 42% dos estadunidenses e 49% dos entrevistados franceses inseguros ou determinados a não tomar a nova vacina. A importância dessas descobertas e a alta probabilidade de que a confiança pública possa se desgastar ainda mais não podem ser subestimadas, especialmente porque as agências federais de saúde nos Estados Unidos continuam a discordar de forma crescente sobre o tratamento do coronavírus.

Li um artigo de opinião no The Wall Street Journal na semana passada, escrito pelo CEO de uma grande imobiliária, dizendo que era dever dos funcionários da área de Nova York voltar aos seus escritórios para que os donos de lanchonetes, motoristas de táxi e donos de restaurante pudessem voltar ao normal. Esses pronunciamentos gerais para retornar ao escritório não são produtivos – especialmente quando o CEO está liderando o dever.

UM RETORNO CONFIÁVEL AO TRABALHO SERÁ MEDIDO EM POLEGADAS

Para construir e manter a confiança dos funcionários em um retorno gradual ao escritório, as empresas devem:

  • Firmar parcerias com governos locais e autoridades de saúde para remover os obstáculos que impedem um retorno ao trabalho com confiança, incluindo a organização de opções de transporte mais seguras e a instituição de horários de início e término flexíveis.
  • Preencher, de forma consistente, a lacuna faltante de informações, disseminando conteúdos confiáveis e de alta qualidade, de fontes especializadas.
  • Cumprir as determinações da saúde pública e enfatizar aos funcionários a importância de suas responsabilidades individuais para o bem maior: usar máscara e manter distância física.
  • Usar dados, insistir no rastreamento de contatos e testes, mesmo de pessoas assintomáticas, e ser o mais transparente possível quando um funcionário adoecer.
  • À medida que o desempenho dos negócios se recupera, restaurar os salários que foram cortados, pagar bônus àqueles que tiveram um bom desempenho apesar da crise e promover aqueles que merecem.
  • Criar um novo cargo de Chief Public Health Officer, conforme proposto por Michelle Williams, reitora de Harvard T.H. Chan School of Public Health, que visa resolver os desafios da saúde pública que se cruzam com as prioridades de negócios, incluindo o bem-estar dos colaboradores, adoção de vacinas e justiça social.

Olhando para trás, para a Apollo 13, a NASA se refere à missão como uma "falha de sucesso". Que o  mesmo possa ser dito sobre os líderes empresariais quando as pessoas olharem para trás, daqui a alguns anos, para ver como respondemos à pandemia, cuidando de nossos funcionários, achatando a curva e restaurando a economia.

Richard Edelman é CEO.